No final dos anos cinquenta, Jean-Pierre Léaud foi descoberto por François Truffaut, que fez dele um jovem herói no filme Os 400 Golpes, ao encarnar Antoine Doinel, uma personagem fictícia criada por Truffaut e assumida como o alter-ego do realizador, um jovem insinuante e inocente, que não está preparado para acartar com as responsabilidades da vida adulta. Foi com este filme que Léaud, um rapaz de catorze anos que transpirava rebeldia, fez a sua primeira aparição no Festival de Cannes.


A sua espontaneidade representava o vento da liberdade que a Nova Vaga Francesa trazia ao cinema. Truffaut ofereceu-lhe ainda papéis em Antoine et Colette (1962), Baisers Volés (1968), Domicile Conjugal (1970) e L’Amour en Fuite (1979), filmes que traçaram o percurso da personagem Antoine Doinel ao longo do tempo, através da sua crescente maturidade física, seguida do namoro, o casamento, a paternidade e, finalmente, o divórcio.


A partir de 1965, Léaud deu início à sua longa parceria com Jean-Luc Godard; os filmes Masculino Feminino (1966) e O Maoísta (1967) são os filmes que enalteceram o compromisso e a perspectiva visionária da sua colaboração. Fascinado pela linguagem cinematográfica, Jean-Pierre Léaud trabalhou ainda como assistente de realização nos filmes Pedro, o Louco e Alphaville, e também com Truffaut no filme Angústia. Podemos ainda encontrar Léaud em filmes de Bernardo Bertolucci (O Último Tango em Paris) ou em filmes de Jacques Rivette (Out 1). Em A Mãe e a Puta, de 1973, a sua prestação e interpretação excêntricas, entre poesia e petulância, foram consideradas inigualáveis, consagrando para sempre o seu talento. O filme, de Jean Eustache, foi emblemático para a geração da época, e recebeu o Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes, antes de, posteriormente, se tornar um grande filme de culto. Desde então, as suas personagens apaixonadas, desajeitadas, idealistas, desencantadas ou enigmáticas tornaram-se parte do universo de realizadores como Aki Kaurismäki, Lucas Belvaux, Philippe Garrel, Bertrand Bonello e até mesmo Tsai Ming-Liang.


Contribuindo em diversas produções fora da França, Léaud foi actor em Pocilga de Pier Paolo Pasolini, no filme Le Départ de Jerzy Skolimowski, e em obras de autores brasileiros, como Os Herdeiros, de Carlos Diegues, e O Leão das Sete Cabeças de Glauber Rocha. Jean-Pierre Léaud é, eternamente, surpreendente e audaz, mesmo quando encarna o Rei Sol, no mais recente filme de Albert Serra, A Morte de Luís XIV.


Este ano, na edição do festival de Cannes, Jean-Pierre Léaud foi agraciado com a Palma de Ouro Honorária, uma homenagem a toda a sua carreira, reconhecida e admirada internacionalmente. Uma juventude imortal, uma rebeldia romântica, o rosto de Jean-Pierre Léaud, a olhar directamente para a câmara no último plano de Os 400 Golpes, será para sempre relembrado e jamais esquecido.