Nos dias 14 e 15 de Novembro, no Teatro Tivoli BBVA, realiza-se um simpósio sobre a marca que os tempos que vivemos irão deixar na relação entre as artes e o público.
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14 a 17 de Novembro - Teatro Tivoli BBVA


O início do ano de 2020 “quebrou o nexo do mundo”, como escreveu o filósofo José Gil, quando surgiu algo para o qual vários cientistas e pensadores vinham alertando, mas que não esperávamos nem estávamos preparados para que acontecesse assim de repente e se espalhasse tão rapidamente pelo mundo inteiro: uma pandemia paralisou o planeta e remeteu-nos, de súbito, para uma espécie de “bolha” que nos aprisionou e da qual estamos a tentar, aos poucos, sair. Mas, nos sectores das artes e da cultura, os efeitos foram, para muitos, devastadores. Entre a mudança e a continuidade, que mundo nos aguarda agora?


Durante meses, dissemos e ouvimos dizer que a crise provocada pela pandemia da Covid-19 teria consequências profundas na nossa percepção individual e colectiva das sociedades, nas nossas ambições e redes de valores e, por último, no nosso próprio modo de vida. De facto, esta crise de saúde desvelou uma crise social que, como vários pensadores têm apontado, é simultaneamente resultado e catalisadora de um modelo económico que ao longo das últimas décadas tem vindo a desvalorizar os trabalhadores dos serviços essenciais, a acreditar e a querer fazer-nos acreditar num crescimento e recursos ilimitados, e que vê determinadas preocupações sociais e ecológicas como um entrave a esse crescimento. O desinvestimento progressivo numa larga maioria de países nos sistemas de saúde e no estado social é testemunho das prioridades desviadas deste sistema. A perpetuação da fantasia do completo domínio humano sobre a natureza levar-nos-á de pandemia em pandemia, alertam-nos cientistas e filósofos, e seremos incapazes de dar resposta aos mais vulneráveis. Com as incoerências do sistema postas a descoberto, a sua insustentabilidade tornou-se para muitos evidente.


Filósofos, activistas, ambientalistas, artistas e profissionais de vários outros sectores, uniram-se então num mesmo grito por um novo mundo pós-pandemia. Em Maio, duzentas personalidades de todo o mundo, ligadas ao cinema, às artes, ao pensamento e à ciência (muitas delas já marcaram presença no LEFFEST) lançavam um manifesto contra um regresso à “normalidade” reinante, apelando a governantes e cidadãos para uma mudança radical nos nossos modos de vida, nos nossos modos de consumo, na nossa economia. É necessário discutir e criar uma “nova normalidade”, em que seja possível recuperar redes de apoio e protecção, em que as nossas vidas deixem de estar tão dependentes dos ditames da economia de mercado. Reforçando desigualdades pré-existentes, a crise veio provar que não podemos simplesmente regressar ao estado de coisas anterior, se esse estado era também o problema.


Retomar o estado das coisas tal como o conhecíamos, como se nada tivesse acontecido e estes últimos meses tivessem sido apenas um curto intervalo, uma suspensão no tempo, é retomar um modelo que nos empurrava para uma tecnocracia cega às desigualdades, onde valores éticos e estéticos eram ditados pelo mercado, um modelo que nos precipita para uma catástrofe ecológica iminente.


No mundo da cultura e das artes, a pandemia exponenciou os efeitos de anos de políticas de desinvestimento e desvalorização, de uma cultura de competição, de consumo e de super-produção. Espetáculos, conferências, festivais, co-produções internacionais, tours, e uma série de outros eventos, foram cancelados em todo o mundo. Nas artes performativas, em particular, os efeitos têm sido catastróficos: artistas e técnicos, apaixonados por uma arte presente, viva, feita para o palco ou para a rua, vêem-se repentinamente desempregados, sem qualquer fonte de rendimento, sem apoio e sem perspectivas. Simultaneamente, a preocupação com o congelamento da ligação entre as artes e o público tem sido apresentada como um aspecto tão nocivo desta crise como as perdas financeiras.


E assim continuamos, perante o mistério e a agitação de novos tempos por vir, a reflectir e questionar. Quais serão os efeitos a médio e longo-prazo de nos adaptarmos a esta nova realidade distópica? Que ensinamentos podemos retirar deste período sem precedentes?  Qual deverá ser o lugar e papel das artes na regeneração social e económica necessária para ultrapassarmos a crise? Será ainda possível reverter um processo de globalização e mercantilização que desconsiderou as pessoas e sufocou a arte? Onde e como poderá surgir a mudança?


Importa, pois, manter o debate vivo. O debate ao vivo. É isso que nos propomos levar a cabo no Simpósio “As Artes e o Público no Mundo Pós-Pandemia”, que preparamos para o primeiro fim-de-semana do LEFFEST, e que terá lugar em Lisboa.


Programa Simpósio

14 de Novembro


09h Moda
Projecção de Phantom Thread - Linha Fantasma (2017) de Paul Thomas Anderson
Seguida de debate com
Constança Entrudo, Designer Têxtil
Eduarda Abbondanza, Directora da ModaLisboa


09h30 Cinema
Projecção de Parlons cinéma: Capítulos 1-7 (1976) de Harry Fischbach
Seguida de debate com
Frédéric Bonnaud, Director da Cinemateca Francesa
Paulo Branco, Produtor, Distribuidor e Exibidor de Cinema


15 de Novembro


09h30 Artes Performativas e Artes Plásticas
Projecção de The Golden Coach (1952) de Jean Renoir
Seguida de debate com
Bernard Marcadé
, Crítico de Arte e Curador
Marie-Laure Bernadac
, Curadora
Neville Wakefield
, Curador e Escritor
Nithya Iyer, Artista e Investigadora
Hans-Ulrich Obrist, Curador - apresentação por vídeo

16 de Novembro


14h Literatura
Projecção de Passion Simple (2020) de Danielle Arbid

Seguido de conversa com a realizadora
Lançamento do livro "Uma Paixão Simples" de Annie Ernaux com uma leitura por Catarina Wallenstein
Debate com 
Rui Cardoso Martins, Escritor
José Pinho, Livreiro e Representante da RELI


17 de Novembro


16h30 Música
Concerto de Piotr Anderszewski
Seguido de debate com
Bruno Monsaingeon
, Violinista, Realizador e Escritor
Martim Sousa Tavares, Maestro
Piotr Anderszewski
, Pianista
Risto Nieminen, Director do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian
Projecções: Mathieu Amalric filma Barbara Hannigan (Work in Progress –
Imagens inéditas de Hannigan a interpretar "Les Heures" de Ernest Chausson, "Der Sommer" de György Ligeti e "Sure on This Shining Night" de Samuel Barber) + Music is Music (2017) de Mathieu Amalric