A Falha

Vinte e cinco anos depois de terminado o liceu, um grupo de antigos alunos decide encontrar-se em Elvas. À hora marcada, algures no Outono de 1998, cerca de trinta ex-colegas confluem nesse mesmo lugar impreciso onde, subitamente, a memória se trunca, a ausência se pressente, a delonga se transforma em diálogo e, por fim, como pretexto, um banquete acabará por ritualizar um rol de encantos e degelos aparentemente perdidos. Enquanto esta tarde de sortilégios vai, a pouco a pouco, pondo a nu antigos ressentimentos, rancores, desamores ou cumplicidades, toda a identidade de um Portugal, ainda recente mas profundo, parece aflorar perante a fragilidade do destino que terá tecido este súbito encontro. Ao jeito das prefigurações trágicas, duas são as surpresas que, no final do almoço ritual, se guardam para os convivas: uma visita a uma adega de vinhos e um passeio a uma pedreira de mármore, em Vila Viçosa. Com efeito, a inesperada queda de um imenso bloco de mármore - momentos após o início da breve visita à pedreira - acabará por soterrar alguns dos presentes. Dentro de uma espécie de gruta caprichosa, esses antigos colegas do liceu de Elvas irão permanecer durante mais de dois dias, entre a vida e a morte, entre o devaneio e a navegação do impossível, entre o susto e a surpresa radical. No entanto, esses reencontrados personagens passarão sobretudo a debater-se, a partir de uma tal situação-limite, com o insolúvel, a irracionalidade escarpada e o confronto vivo com antigos fantasmas. Uma falha desenhada sobre esta espécie de gruta irá como que definir o trajecto simbólico desta história. Na certeza, porém, de que a falha, para além de metamórfica, é também extensiva à memória, à incontenção dos comportamentos e à terrível surpresa do destino, ou seja, do próprio fatum. A falha, ao fim e ao cabo, é o lapso real dos que decidiram, um dia, disputar o tempo, tornando-o numa celebração que, só por si, haveria de resultar na simples remoção das mil e uma falhas do passado. É nesse jogo de clivagens, incisivas e quase impossíveis, que esta história irá desaguar no seu termo, na sua foz talvez predestinada.