Lisbon & Estoril Film Festival

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Alain s’en va…

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O cineasta suíço Alain Tanner, uma das grandes figuras do cinema europeu, morreu este domingo em Genève, onde nascera em 1929.

A sua primeira longa-metragem, espécie de filme-manifesto, O Último a Rir / Charles mort ou viv, data de 1969 (antes realizara diversas curtas, a primeira delas Nice Time, vivia então em Londres, em colaboração com Claude Goretta, feita ao estilo do free cinema, foi premiada no festival de Veneza), e impõe o “novo cinema suíço, ainda no período da emergência das “novas vagas” um pouco por todo o mundo. Seguiu-se A Salamandra (1971), com Bulle Ogier e Jacques Denis, um filme de culto que lhe trouxe grande notoriedade. Notoriedade que crescerá com Jonas que Terá  Vinte e Cinco Anos no Ano 2000 (1976), um milhão de espectadores na Europa, outro milhão nos Estados Unidos, o que era raro na época para um filme de autor, cujo argumento dividiu com o escritor John Berger, que conhecera em Londres e com o qual colaborou por várias vezes.

No início dos anos 80 roda em Lisboa aquela que para muitos é a sua obra-prima: A Cidade Branca (1982), com Bruno Ganz e Teresa Madruga. A produção é de Paulo Branco, que produzirá ao todo sete filmes de Tanner. A Mulher de Rose Hill (1989), O Homem que Perdeu a Sombra (1991), O Diário de Lady M. (1992), Requiem (1998), Jonas e Lila, à demain (1999) e Fleurs de sang (2001).

Em 2017, o LEFFEST - Lisbon & Sintra Film Festival homenageou Alain Tanner, com uma retrospectiva dos seus filmes, na presença da sua filha Cécile Tanner, por impossibilidade do cineasta, cujo estado se saúde já era frágil.

Tanner dizia que teve sempre “dois capacetes, duas formas de fazer cinema: o filme-discurso e o filme-poema” [Alain Tanner, Ciné-mélanges, Seuil, Paris, 2007]. Incluiria Jonas que Terá Vinte e Cinco Anos… na primeira, ressalvando que não deveria nunca deixar-se asfixiar pelo peso ou pela pedagogia das ideias, mas que estas seriam apenas o ponto de partida para encarnarem personagens que, no fim de contas, se exprimiriam através das expressões dos rostos e dos corpos, e que os diálogos deveriam ser mais facetos do que trágicos. Na segunda, o exemplo que o cineasta dá, é A Cidade Branca, onde não modula a matéria, mas se deixa ir atrás dela, seguindo as personagens, um dia atrás do outro, na sua deriva, no caso pela cidade de Lisboa, escutando-a, atento à sua “matéria”, a cada momento, com todos os sentidos.

O desejo de partida, de viagem (como impulso e projecção), o “j’irai loin, bien loin” de Rimbaud, como refere Frédéric Bas [Alain Tanner, Ib.], a procura de novos lugares (e Tanner é um “cineasta dos lugares”: Lisboa, em A Cidade Branca; a pequena aldeia perdida de Cabo de Gata, na Andaluzia, em O Homem que Perdeu a Sombra; um bairro deserto de Brooklin, em La Valée fantôme); o delta do Ebro em O Diário de Lady M….), a solidão e a errância.

Um cinema que parte do desejo de uma ou de várias personagens. E por isso, como ele diz [Alain Tanner, Ib.], não se podia enganar na escolha do actor para encarnar essa personagem. Alguns impõem-se [dizia que só poderia ter feito A Cidade Branca com Bruno Ganz, ou O Homem que Perdeu a Sombra com Francisco Rabal] outros escolhia-os por intuição, por razões por vezes secretas e subjectivas. Trabalhou, entre outros, para além dos já citados, com Jean-Louis Trintignant, Valeria Bruni-Tedeschi, Myriam Mézières, François Simon…

A propósito do seu último filme, Paul s'en va (2003), Tanner dizia que ali "escavava um sulco que o seu cinema traçava há muito tempo: a passagem do testemunho, a transmissão de conhecimentos de uma geração para outra [...] não tanto no sentido pedagógico, mas para guardar viva a memória, este fio vermelho que atravessa os tempos e as nossas vidas, e que hoje em dia está ameaçado".

Alain s'en va. Nós agradecemos-lhe o legado extremamente rico que nos deixa.
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